Entrevista do Roberto Amaral da ACS a Revista T&D


Olá leitor!

Segue abaixo uma entrevista esclarecedora com o Diretor-Geral da Parte Brasileira da Alcântara Cyclone Space (ACS), Roberto Amaral postada hoje (04/09) pelo companheiro jornalista "André Mileski" no site da revista Tecnologia & Defesa destacando assuntos relativos ao Programa Espacial Brasileiro.

Duda Falcão

Entrevista Exclusiva com Roberto Amaral,
Diretor da Alcântara Cyclone Space

André Mileski
04/09/2009


Roberto Amaral concedeu entrevista exclusiva para T&D, e contou detalhes sobre a parceria ucraniano-brasileira para a exploração comercial da base espacial de Alcântara.

A reportagem de Tecnologia & Defesa teve a oportunidade de conversar ontem (3) com Roberto Amaral, ex-ministro de Ciência e Tecnologia (2003-2004), e atualmente diretor-geral da binacional ucraniano-brasileira Alcântara Cyclone Space (ACS), sobre o projeto da empresa para a exploração comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.

Em breve conversa, T&D abordou vários pontos do projeto da ACS, como o início das obras de infraestrutura, suas perspectivas comerciais, a necessidade de acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos, cooperação tecnológica com a Ucrânia, entre outros.

A cooperação espacial com a Ucrânia teve seu marco inicial em 1995, quando da visita ao Brasil do presidente ucraniano Leonid Kutchma. Pouco depois, passou-se a discutir a ideia de utilização do CLA para missões comerciais. A partir de então, os dois países aprofundaram as discussões, tendo assinado em outubro de 2003 o Tratado sobre a Cooperação de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamentos Cyclone-4, que criou a ACS.

Importante dirigente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Amaral demonstrou grande conhecimento sobre o Programa Espacial Brasileiro e o mercado global de lançamentos espaciais, indicativo de que não ocupa a direção geral de uma das duas empresas binacionais brasileiras por razões meramente políticas.

Início das Obras de Infraestrutura em Alcântara

A previsão inicial era de que as primeiras obras da ACS em Alcântara fossem iniciadas este mês, setembro, mas o cronograma foi alterado e depende do licenciamento pelo Ibama.

Com as informações disponíveis hoje, a previsão é que as obras sejam iniciadas em novembro, logo após o licenciamento pelo Ibama e a contratação das construtoras por meio de concorrência em andamento.

Amaral informou que a infraestrutura que será construída não se resume apenas à plataforma de lançamento. Serão, ao todo, 103 itens, como poços d água, grandes armazéns, vias e outras obras civis.

Mercado Mundial de Lançamentos

Embora ainda não tenha seu lançador operacional, a ACS já trabalha em busca de potenciais clientes. “Nós estamos trabalhando desde agora”, disse Amaral. De acordo com o diretor-geral da ACS, o mercado de lançamentos médios e intermediários é o de maior crescimento, devendo crescer ainda mais nos próximos anos, já que vários satélites de comunicações serão colocados em órbita para substituir outros.

O voo de qualificação do Cyclone 4 é essencial para os esforços comerciais da joint-venture binacional, e a expectativa é que só a partir dele é que os primeiros contratos de lançamento sejam assinados. Amaral informou que no momento existem três negociações em marcha, bem preliminares. Um dos potenciais clientes é a norte-americana Iridium, famosa por sua constelação de satélites de comunicações de órbita baixa.

Primeiro Lançamento

De acordo com Amaral, o voo de qualificação em outubro de 2010 é ainda viável, mas vai se tornando cada dia mais difícil. O objetivo, no entanto, continua sendo o de lançar o primeiro Cyclone 4 até o final de 2010.

Uma carga útil já confirmada para o primeiro modelo do Cyclone 4 é o satélite científico japonês Jasmine. No entanto, a Agência Espacial Brasileira (AEB) tem prioridade na definição de outras cargas úteis, devendo incluir na missão outro satélite, certamente construído pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos

Perguntado sobre a relevância que um acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos teria para os propósitos comerciais da AEB, Amaral informou que atualmente cerca de 40% dos satélites são de origem estadunidense ou possuem algum componente oriundo deste país. Sem o acordo com os Estados Unidos, satélites ou com peças fabricados e desenvolvidos lá não poderiam ser lançados pela ACS.

Os Ministérios de Ciência e Tecnologia e Relações Exteriores já foram informados pela ACS sobre a questão, e devem tomar as medidas necessárias visando à negociação de um acordo de salvaguardas com os Estados Unidos. Por ser uma empresa, não cabe à ACS negociar diretamente com o país. “Não podemos tomar nenhuma iniciativa de negócio”. “É questão de Estado-Estado”, disse.

Desenvolvimento Tecnológico e Participação Nacional

O acordo de cooperação na área espacial com a Ucrânia também leva em consideração desenvolvimentos tecnológicos futuros, como a continuidade da família Cyclone. A ideia é que uma vez consolidado o projeto comercial da ACS, os dois países partam para o desenvolvimento do Cyclone 5, foguete de maior porte que seu irmão mais velho. “Seria um projeto para os próximos quinze anos”, detalha Amaral.

O diretor da ACS revelou que a indústria brasileira deve participar da construção de componentes do Cyclone 4, como a coifa. A companhia está estudando quais empresas poderiam fabricar estas partes. “A Embraer tem tecnologia para isso”, disse.

Outra iniciativa em discussão é o apoio ao Programa VLS, através de desenvolvimento conjunto de lançador de pequeno porte com foco no mercado de microssatélites. No momento, autoridades dos dois países estão discutindo o intercâmbio de especialistas em tecnologia espacial na área de lançadores, o que permitiria transferência de conhecimento.

No próximo dia 9, Roberto Amaral, acompanhado do brigadeiro Venâncio Alvarenga, do Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), e do coronel Francisco Pantoja, diretor do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), embarcam para a Ucrânia com o objetivo de discutirem o possível apoio ao Programa VLS.

Investimentos

O diretor da ACS disse que o projeto ucraniano-brasileiro como um todo deve exigir investimentos de cerca de US$ 500 milhões, divididos entre os dois governos. Quando o projeto estiver mais evoluído do ponto de vista operacional, existe também a possibilidade de se obter financiamentos junto a instituições financeiras, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A ideia é que o banco de desenvolvimento brasileiro financie o projeto de industrialização do lançador quando este já estiver disponível comercialmente.

Conflito na AEB

Questionado sobre a áspera discussão tida com o então diretor de Transporte Espacial e Licenciamento da AEB, brig. Antonio Hugo Pereira Chaves, relatada no início desta semana pelo jornal "Correio Braziliense", Amaral disse que o "o caso está encerrado." Depois da discussão, que quase chegou a agressões físicas, o brig. Chaves foi demitido da direção da AEB.

A reportagem do jornal brasiliense afirma que a relação entre alguns setores da Agência Espacial (diretoria de Transporte Espacial, tradicionalmente ocupada por brigadeiros da Aeronáutica) e a ACS "não anda em seus melhores dias", em razão da binacional atuar numa área que sempre esteve sob a chancela do Comando da Aeronáutica.


Fonte: Site da Revista Tecnologia & Defesa

Comentário: Uma grande e esclarecedora entrevista do companheiro André Mileski para a revista Tecnologia & Defesa que eu convido ao leitor analisar comigo os seus principais pontos. Se não vejamos:

Início das Obras de Infraestrutura em Alcântara - Acho bastante improvável que se cumpra o cronograma de lançamento do foguete Cyclone 4 em 2010, caso as obras sejam iniciadas em novembro, já que além das obras civis que são em grande numero, após a realização das mesmas haverá a necessidade de um certo tempo para a instalação e testes dos equipamentos destinados ao lançamento do foguete.

Mercado Mundial de Lançamentos - Será uma briga muito grande e seu sucesso dependerá muito da eficiência e experiência administrativa, fator difícil de ser alcançado por instituições controladas por politicagem.

Primeiro lançamento - É muito improvável que o mesmo venha se realizar ainda em 2010, não acredito nessa possibilidade. O Amaral deixa entender que além do satélite universitário japonês “Jasmine”, o Cyclone 4 poderá levar uma carga útil que deverá ser apontada pela AEB. Se assim for, ou o INPE desenvolverá outro SATEC (satélite tecnológico) ou dependendo da época do lançamento poderá lançar o ITASAT ou até mesmo o NANOSATC-BR (o primeiro cubesat brasileiro) que esta sendo desenvolvido pelo INPE e pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Existe também a possibilidade de lançar o Amazônia 1, porém essa possibilidade no momento me parece mais remota.

Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos – Extremamente necessário se a ACS quiser operar agressivamente no mercado internacional, justamente pelos pontos já colocados pelo próprio Mileski e endossado pelo senhor Amaral. Acontece que, um acordo como esse esta levando em média 5 anos para ser aprovado pelo Congresso Brasileiro, o que em minha opinião é um desastre para as pretensões de sucesso da empresa. Esse ponto já deveria ter sido visto, antes de qualquer coisa.

Desenvolvimento Tecnológico e Participação Nacional - Não é verdade que o acordo com os ucranianos leve em conta qualquer consideração de desenvolvimentos tecnológicos futuros, como a continuidade da família Cyclone e muito menos a transferência de tecnologia (nem mesmo de um simples parafuso) como já foi divulgado pelo senhor Amaral por diversas vezes. O que existe é o interesse e estudos de ambas as partes (caso o acordo da ACS ocorra de forma positiva) de se partir para um acordo mais amplo que possa incluir essa possibilidade. No entanto, para isso ocorre-se seria necessário se assinar um outro acordo que também teria que passar pelos transmites legais, o que atrasaria ainda mais o já atrasadíssimo Programa Espacial Brasileiro. Além disso, já existe um acordo com os russos em andamento nesse sentido que não justifica qualquer mudança de caminho para se alcançar os foguetes que serão necessários para lançar os satélites previstos pelo PEB até 2016.

Quanto a idéia de se partir para um Cyclone 5 num prazo de quinze anos acho que só vem demonstrar uma vez mais a falta de foco das pessoas que comandam o PEB. Gente, deveríamos sim está unindo nossos esforços e nossas ações e pensamentos no intuito produzir o VLS para colocar o nosso primeito satélite no espaço. Esse deve ser o pensamento e não desviar a nossa atenção para um foguete pesado com horizonte de 15 anos para ser produzido quando no momento não podemos colocar nem uma formiga em órbita. Faça-me uma garapa.

Quanto à participação da indústria brasileira na construção de partes do Cyclone 4 (isso é algo que não depende de acordo) é uma boa notícia e esperamos que realmente possa acontecer.

Já quanto à participação ucraniana no Programa VLS a mesma é desnecessária, principalmente quanto à idéia de se desenvolver conjuntamente um lançador de pequeno porte com foco no mercado de microssatélites. O próprio IAE tem um projeto chamado VLM - Veículo Lançador de Microssatélites (previsto pelo PNAE) que com o sucesso do VLS-1, tornar-se um passo muito simples de ser alcançado sem a necessidade de ajuda extra, pois só seria uma questão de concepção de montagem dos estágios e teríamos o VLM, pronto.

Essa notícia sobre a reunião na Ucrânia é preocupante, pois poderá significar o fim o projeto do VLM (aumentando o atraso), a clara ingerência política na parte militar do PEB que sempre funcionou razoavelmente bem pelo claro entendimento pelas partes envolvidas (militar e civil) de que as decisões sobre os foguetes cabiam aos militares (CTA/IAE) e as decisões sobre satélites e tecnologias associadas cabiam aos civis (MCT/AEB/INPE). Certamente esta interferência do senhor Amaral num projeto que não lhe diz respeito, gerará grandes insatisfações dentro do CTA o que poderá atrasar ainda mais o Programa Espacial Brasileiro. Lamentável!

Comentários

  1. Ainda acho que o Sr.Amaral esconde o jogo. Para mim ele quer salvar apenas o projeto do ACS, e pegar os espolios do nosso programa espacial e agregar toda a estrutura no projeto do Cyclone 4. Ele deve estar louco para jogar nosso VLS no lixo para salvar o dele.

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  2. Veja bem Ricardo, o acordo com os ucranianos não deveria interferir com o programa VLS e seu derivados, pois vai operar numa faixa de mercado comercial (satélites de médio porte e intermediários) que é distinta do VLS-1, do VLM e do VLS-1B. Acontece que eles querem entrar nesse mercado prejudicando o PEB sem nem mesmo estarem operando ainda. Obviamente pode existir ai interesses escusos muito comuns quando políticos estão envolvidos. Daí o interesse do Amaral puxar o tapete do IAE no desenvolvimento do VLM sugerindo se construir um novo foguete em parceria com os ucranianos. Porém, ainda tenho a esperança que os militares do CTA lutarão para não permitir que isso ocorra. No entanto, o Amaral parece ter no momento o apoio do presidente Lula, o que pode se tornar um fator preponderante infelizmente.

    Abs

    Duda Falcão

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