Bas Lansdorp: "Eu Não Vou"

Olá leitor!

Segue abaixo uma entrevista publicada no site revista “Época” dia (29/05) com o idealizador do projeto que quer levar o homem a Marte.

Duda Falcão

Entrevista

Bas Lansdorp: "Eu não vou"

O idealizador do projeto que quer levar o homem a Marte
apresenta sua ideia: fazer da expedição um reality show,
com astronautas escolhidos pelo público e cotas de patrocínio

MARCELO MOURA
29/05/2013 - 07h00
Atualizado em 29/05/2013 - 08h13

(Foto: Ilvy Njiokiktjien/
International Herald Tribune/Ny Times)
OLHAR DISTANTE
Bas Lansdorp, da Mars One. Ele montou um
plano para levar homens a Marte em 2022
Em 1961, John Kennedy, presidente dos Estados Unidos, prometeu levar o homem à Lua em uma década. Oito anos depois, cumpriu. Em 2012, o engenheiro mecânico holandês Bas Lansdorp, presidente da Mars One, prometeu levar o homem a Marte em 2022. Conseguirá cumprir? Lansdorp não tem dinheiro nem tecnologia, mas um plano: vender cotas de patrocínio e transmissão para um reality show, com astronautas escolhidos pelo público. Com o dinheiro, quer comprar espaçonaves e serviços da SpaceX, uma empresa espacial privada. Não é um reality qualquer. Os eleitos deverão fazer uma viagem só de ida para um planeta sem vida, com temperatura entre -5 °C. e -87 °C.

ÉPOCA – O senhor poderia descrever o que está programado para os primeiros humanos que chegarem a Marte?

Bas Lansdorp – Quando os tripulantes da Mars One pousarem em Marte, em 2023, encontrarão um carregamento, enviado previamente, esperando por eles. Primeiro, terão de construir uma base e montar os painéis solares. Deverão começar a plantar seus vegetais, para a subsistência. Deverão preparar a recepção do segundo grupo, que chegará umas poucas semanas depois. Quando terminar isso, cumprirão sua atividade principal: explorar um planeta inteiramente novo.

ÉPOCA – Explorar o planeta por quanto tempo?

Lansdorp - Como é uma missão apenas de ida, os viajantes explorarão Marte até o fim de suas vidas.

Vídeo: Uma viagem só de ida a Marte


ÉPOCA – Eles conseguirão viver lá por quanto tempo?

Lansdorp – Mandaremos pessoas com saúde privilegiada e comida de ótima qualidade. Eles não estarão sujeitos a riscos comuns de nossa sociedade, como acidentes de carro. Se nada errado ocorrer lá, viverão mais que uma pessoa comum na Terra.

ÉPOCA – O que faria alguém se lançar a uma viagem sem volta a um planeta inóspito?

Lansdorp – Ainda não assisti a todos os vídeos publicados no site da Mars One, nos quais os candidatos explicam seus motivos. Muitos dizem que querem fazer a coisa mais incrível da vida.

ÉPOCA – No mês passado, o senhor abriu as inscrições para viver em Marte. Quantos se candidataram?

Lansdorp – É incrível. Nas primeiras 72 horas, foram 25 mil.


ÉPOCA – O senhor vai?

Lansdorp – Você diz... para Marte?

ÉPOCA – Isso. Marte. O senhor vai?

Lansdorp – Comecei o projeto Mars One porque queria ir para Marte. Sempre soube que seria uma viagem só de ida, porque simplesmente não temos tecnologia para voltar de lá. Mas agora não vou mais. Conheci uma namorada, ela não quer ir comigo... De toda forma, é uma missão para o mundo inteiro. Meu papel é mandar as pessoas para lá. Minha equipe escolherá apenas os mais capacitados para viajar, porque precisamos de gente com certas habilidades. Os selecionados serão submetidos à aprovação do público, que escolherá pelo site os viajantes espaciais. É uma missão importante, para o mundo inteiro abraçar junto. Num projeto de tal magnitude, não seria adequado eu ocupar um dos assentos na nave.

"Levantar US$ 6 bilhões para ir a Marte não
é muito. A Olimpíada arrecada US$ 1 bilhão"

ÉPOCA – Como evitar que candidatos também se apaixonem, nos próximos dez anos, e desistam de viajar para Marte?

Lansdorp – Isso pode acontecer. Montaremos seis grupos de quatro tripulantes, em 2015, depois mais três grupos. Se alguém desistir, seu grupo inteiro estará eliminado, portanto é importante haver entrosamento entre os participantes. Sempre haverá um grupo de prontidão, caso haja desistências até o embarque rumo a Marte, em 2022.

ÉPOCA – O que esses grupos farão até 2022?

Lansdorp – Nossa seleção levará cerca de dois anos. A partir de 2015, os escolhidos serão funcionários em tempo integral da Mars One. Até 2022, treinarão para a missão. Terão aulas de engenharia, para saber consertar a espaçonave. Terão aulas de medicina, para tratar problemas de saúde. Aprenderão a cultivar seus próprios alimentos nas condições de Marte. Durante três meses a cada ano, serão submetidos a condições típicas dessa missão espacial. Ficarão enclausurados num pequeno compartimento, com oferta limitada de água e alimentos. Sua comunicação por rádio com o meio externo será feita com longos intervalos entre falar e ouvir. Assim, eles poderão realmente sentir se serão capazes de viver nas condições da expedição.


ÉPOCA – O senhor afirma que a viagem até Marte custará US$ 6 bilhões. O senhor tem quanto desse dinheiro? Quanto viria de patrocinadores?

Lansdorp – Ainda não sei a divisão exata de valores. Dependerá muito da aceitação do programa. Não se esqueça de que, na Olimpíada de Londres, em 2012, o comitê organizador arrecadou mais de US$ 1 bilhão com contratos de patrocínio e venda de direitos de transmissão. Rendeu mais de US$ 1 bilhão por duas semanas, porque o mundo estava vendo. Na arrecadação da Olimpíada, um quarto vem de patrocinadores e três quartos vêm dos direitos de transmissão. É possível, em nosso caso, essa distribuição se repetir, mas é difícil afirmar com antecedência.

ÉPOCA – Os Jogos Olímpicos não são tão fantásticos e inéditos quanto uma expedição a Marte. Mas não sofrem atrasos e têm um risco muito pequeno de acabar em tragédia. A corrida espacial para a Lua foi afetada por atrasos, desastres e estouros de orçamento. Que segurança os patrocinadores terão para associar sua marca a tais incertezas?

Lansdorp – Os patrocinadores conhecem os riscos e são capazes de lidar com eles. É bastante possível que algumas empresas mantenham distância desse projeto. Também é bastante possível que outras empresas façam questão de participar de tamanha aventura. Não existe aventura sem riscos. Fabricantes de carros com tração 4x4 teriam muito a ganhar, associando sua imagem a essa missão. A fabricante de bebidas Red Bull não teme ligar sua marca a atividades arriscadas. Vive patrocinando saltos de paraquedas, corridas de aviões e esportes radicais. As características de nosso empreendimento realmente limitam a variedade de potenciais patrocinadores, mas também representam uma oportunidade muito valiosa e sem igual no mercado publicitário.

ÉPOCA – Como uma organização privada como a sua poderá levar humanos a Marte? O máximo que a Nasa conseguiu até hoje, com cinco décadas de experiência e orçamento do governo dos Estados Unidos, foi levar o robô Curiosity.

Lansdorp – A NASA jamais poderia organizar uma viagem sem volta. Voltar de Marte é muito mais difícil que ir. Essa é a principal razão. Há outras. Para a NASA, seria mais caro, porque eles precisam manter diariamente uma estrutura muito maior. E eles não têm nosso modelo comercial. Queremos vender a expedição a Marte enquanto ela é desenvolvida, e isso facilita o dimensionamento do negócio.


ÉPOCA – Os Estados Unidos mandaram homens à Lua seis vezes, entre 1969 e 1972. Depois, cancelaram a missão espacial Apollo. A União Soviética cancelou sua tentativa de ir à Lua. Por que países ricos desistiram de desbravar o espaço?

Lansdorp – Não acho que os países tenham desistido. Existe um programa espacial americano muito vigoroso. Os russos continuam ativos. Indianos investem em missões espaciais, chineses estão evoluindo, o Brasil também está. Os países apenas mudaram seu foco, na corrida espacial, para pesquisas. Pesquisas não são tão atraentes para o grande público. Aí pode entrar a iniciativa privada. Organizações como a minha podem guiar sua atuação pelo interesse do público. Há empresas planejando viagens de turismo espacial. Há empresas realizando voos suborbitais com sucesso. É algo que países não seriam tão capazes de fazer. Países trabalham desenvolvendo tecnologias de ponta. Empresas privadas podem entrar licenciando a tecnologia já desenvolvida, para fazer dinheiro. Não esqueça que a Mars One, e todas as outras empresas espaciais comerciais, jamais conseguiriam desenvolver sozinhas suas tecnologias. Queremos aproveitar as soluções existentes.

ÉPOCA – Parafraseando o astronauta Neil Armstrong, em seu discurso ao pisar na Lua: o senhor está menos interessado no gigantesco salto para humanidade e mais interessado no pequeno passo para o homem? Interessado em vender a vários homens a oportunidade de dar o tal pequeno passo?

Lansdorp – Isso mesmo. Queremos ir não pelo avanço da ciência, mas pela experiência pessoal. A experiência mais fantástica da vida de cada um. Por isso, não preciso de novas tecnologias. Meu foco não está nelas, mas nos humanos. É o que muitos dizem sobre a missão Apollo, dos Estados Unidos. Depois de alguns pousos na Lua, ninguém mais prestava atenção a eles. A missão Apollo foi nessa linha: “Vejam, podemos ir à Lua. Podemos andar em volta dela. Podemos...”. Isso foi o fim da história. A história que queremos contar é sobre um grupo de pessoas escolhidas pelo público. Elas estarão a caminho de Marte e começarão uma nova civilização lá. Ver uma nova civilização surgir será interessante por muito, muito mais tempo que missões de astronautas alcançando suas metas.


Fonte: Site da Revista Época - 29/05/2013 - http://revistaepoca.globo.com

Comentário: Pois é leitor, quem se habilita? E olha só, o próprio dono do negócio tirou o corpo fora, rsrsrsrs. Gostaria de agradecer ao leitor paulista José Ildefonso pelo envio dessa entrevista.

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